Irmãos e irmãs, após as suas narrativas de infância de Jesus, com acentuado caráter teológico, Mateus apresenta João Batista com seu anúncio e seu batismo como marcos iniciais do ministério de Jesus. João Batista era filho de Zacarias, sacerdote do Templo de Jerusalém. Este sacerdócio era hereditário, porém João rompe com tal tradição. Ele se afasta de Jerusalém e do Templo e, como profeta, faz seu anúncio nas regiões desérticas da Judéia.
Com sua pregação ele atrai a si o povo, esvaziando assim o Templo e o sacerdócio de Jerusalém. Aos líderes religiosos, saduceus e fariseus que vêm a ele para espioná-lo, adverte que não se sintam justificados por se considerarem filhos de Abraão. O que Deus espera são os bons frutos, os frutos da justiça, já esboçados pelo profeta Isaías (primeira leitura). São os bons frutos que Paulo propõe a seus discípulos (segunda leitura).
As comunidades unidas em um só coração, no acolhimento, na compaixão e na misericórdia, são as sementes do projeto do mundo novo querido por Deus.
Todos os evangelhos fazem de João Batista a figura preparadora da atividade de Jesus. Antes de Jesus veio João. Contudo, quem é o mais importante? Os discípulos de Jesus discutiam muito isso com os discípulos de João. Os evangelhos acabam com a discussão, mostrando que João é apenas o propagandista, o arauto-anunciador do que Jesus vai fazer.
Será que hoje a discussão já terminou? Quem é João hoje? Certamente todas as pessoas que anunciam Jesus para aqueles que ainda não o conhecem. E aqui vem um ponto muito delicado: é preciso levar as pessoas até Jesus, e não retê-las para si.
João é o servo de Jesus, alguém que serve a Jesus. Também devemos fazer o mesmo: levar as pessoas até Jesus, e depois nos afastarmos do nosso papel, dizendo como João: “é preciso que ele cresça e eu diminua” (veja evangelho de João capítulo 3, versículo 30).
Reflitamos melhor:
Irmãos e irmãs observem bem: João aparece no deserto, distante das cidades, principalmente de Jerusalém (ver capítulo 3, versículos de 1-4). No Antigo Testamento o deserto fora o lugar do encontro e da intimidade com Deus, onde Israel aprendeu a ser fiel ao parceiro da aliança, construindo uma sociedade nova, baseada na justiça e na fraternidade. Com João volta esse tempo.
O que ele anuncia? É um convite: “Convertam-se, porque o Reino do Céu está próximo”. Mateus fala do “céu” para não mencionar Deus. É Deus quem está aproximando dos homens na pessoa de Jesus. Através de Jesus Deus vai estabelecer o seu reinado de justiça, realizando inteiramente o seu projeto de liberdade e vida para todos. Por isso é preciso estar preparado, deixando o caminho da injustiça que cria a desigualdade entre as pessoas.
Mateus identifica João com o profeta que anunciava a volta dos exilados na Babilônia: agora vai acontecer essa volta, porque Jesus vai trazer a justiça que liberta da escravidão e da morte. Um pormenor importante: João se veste de maneira sumária (roupa artesanal de pêlos de camelo) e come o que tem na mão (gafanhotos e mel silvestre). Isso mostra que ele é independente dos grandes centros, que produz comida melhor, e que não se deixa escravizar pelas coisas do mundo que sempre depende da injustiça. Fato interessante: o reinado de Deus começa no deserto, e não na cidade.
Outro dado importante é que a pregação de João tem sucesso (veja o capítulo 3, versículos de 5-6). Embora esteja no deserto, de todos os lados o povo vem procurá-lo. Sinal de que as cidades já não estão lhe oferecendo uma alternativa nova de vida. E o povo quer vida. Ao ouvir João, confessam os próprios pecados, e João os batiza no rio Jordão. Que pecados são esses? Certamente o compromisso com as estruturas injustas, contrárias ao reinado de Deus. Ao ouvir João, as pessoas começam a romper com o grande pecado da injustiça, tornando-se preparadas para o compromisso com a justiça que Jesus vai ensinar.
O batismo de João não é o batismo cristão. Trata-se mais do sinal de arrependimento e conversão, uma purificação do passado comprometido com a injustiça. Somos todos muito pequenos e limitados, e não podemos servir a mais do que uma coisa. Não conseguimos andar com os pés em duas canoas.
Importante frisar também que, João recebe bem o povo, a sua atitude com os chefes é bem diferente (veja capítulo 3, versículos de 7-10). Os fariseus eram os chefes espirituais; conheciam muito bem a religião e se gabavam de ser fiéis até o extremo. Os saduceus eram os chefes da economia, da política e da religião; eram todos da classe alta e, em primeiro lugar, lutavam por defender seus interesses e mordomias, e conservar suas propriedades.
João é duro. Chama-os de cobras venenosas, das quais só se pode esperar a morte. “Quem lhe ensinou a fugir da ira que vai chegar?” João está apontando para o julgamento. O reinado de Deus vai criar a justiça que porá em xeque toda a injustiça.
Não adianta fingir, e os chefes do sistema injusto adoram fingir. É a sua maneira de impressionar e comprar o povo. Os fariseus e saduceus se afiançavam dizendo que eram filhos puros de Abraão, o pai da fé. Mas João diz que não adianta ser filhos de sangue. O que é preciso é a fé: todos podem se tornar filhos de Abraão, desde que, pela fé, se comprometam com Deus e com o projeto que ele realiza em Jesus. E o julgamento é duro: quem não provar pela vida prática que está de fato convertido, ficará condenado. Árvore que não der bom fruto será cortada e jogada no fogo. Deus e o povo já estão cansados de ver tanto fingimento.
Por isso, João explica bem o que está fazendo (veja capítulo 3, versículos 11-12). Sua tarefa é apenas a de preparar. Então anuncia e batiza. Pede conversão e batiza para selar essa conversão. Ele é o arauto que vem na frente para anunciar o rei que trará a nova condição para todo o povo. Naquele tempo, tirar e carregar as sandálias de alguém significava ser servo, empregado. Pois bem. João explica que não e digno sequer de ser escravo de Jesus.
Jesus trará um novo batismo, aliás, o batismo em que todos nós fomos batizados. Nele nós recebemos o mesmo Espírito de Deus que levou Jesus a realizar o projeto do Pai. Ele é o fogo que irá devorar a injustiça. E, doravante, Jesus é o nosso juiz: com a pá na mão, ele fará a colheita. Se formos trigo bom, ele nos recolherá em seu celeiro. Se formos palha, ele nos queimará para sempre. Castigo? Não. Somos o que escolhemos ser. Deus nos dá todas as chances de entendermos e vivermos a justiça. Se entendermos mal ou não praticamos a justiça que ele quer, estaremos perdidos, pois não serviremos para mais nada.
Fonte: teologia fe e vida