A Igreja celebra, a partir de hoje, o Tríduo Pascal, que é a celebração da Paixão, Morte e Ressurreição de Cristo. Na audiência de ontem, 20, o papa Bento XVI exortou os fiéis, reunidos na Praça São Pedro, a participarem do tríduo pascal.
“Eu vos exorto a acolher este mistério de salvação, a participar intensamente do tríduo pascal, cume de todo o ano litúrgico e momento de graça particular para cada cristão; convido-vos a buscar nesses dias o recolhimento e a oração, para poder aproximar-vos mais profundamente desta fonte de graça”, disse o papa.
Leia, abaixo, a íntegra da mensagem do papa.
Queridos irmãos e irmãs:
Leia, abaixo, a íntegra da mensagem do papa.
Queridos irmãos e irmãs:
Já chegamos ao coração da Semana Santa, cumprimento do caminho quaresmal. Amanhã entraremos no tríduo pascal, os três dias santos em que a Igreja comemora o mistério da paixão, morte e ressurreição de Jesus. O Filho de Deus, depois de ter se feito homem em obediência ao Pai, chegando a ser em tudo igual a nós, exceto no pecado (cf. HB 4, 15), aceitou cumprir sua vontade até o final, enfrentar por amor a nós a paixão e a cruz, para tornar-nos partícipes da sua ressurreição, para que n'Ele e por Ele possamos viver para sempre no consolo e na paz. Eu vos exorto, portanto, a acolher este mistério de salvação, a participar intensamente do tríduo pascal, cume de todo o ano litúrgico e momento de graça particular para cada cristão; convido-vos a buscar nesses dias o recolhimento e a oração, para poder aproximar-vos mais profundamente desta fonte de graça. A propósito disso, diante das iminentes festividades, cada cristão é convidado a celebrar o sacramento da Reconciliação, momento especial de adesão à morte e ressurreição de Cristo, para poder participar com maior fruto da Santa Páscoa.
A Quinta-Feira Santa é o dia em que se faz memória da instituição da Eucaristia e do Sacerdócio ministerial. Pela manhã, cada comunidade diocesana, reunida na igreja catedral ao redor do bispo, celebra a Missa crismal, na qual são abençoados o santo crisma, o óleo dos catecúmenos e o óleo dos enfermos. A partir do tríduo pascal e durante todo o ano litúrgico, estes óleos serão utilizados para os sacramentos do Batismo, da Confirmação, das Ordenações sacerdotais e episcopais e da Unção dos Enfermos; nisso se manifesta como a salvação, transmitida pelos sinais sacramentais, brota precisamente do mistério pascal de Cristo; de fato, somos redimidos com sua morte e ressurreição e, mediante os sacramentos, temos acesso a essa fonte salvífica. Durante a Missa crismal, amanhã, acontece a renovação das promessas sacerdotais. No mundo inteiro, cada sacerdote renova os compromissos que assumiu no dia da sua ordenação, para ser totalmente consagrado a Cristo no exercício do sagrado ministério ao serviço dos irmãos. Acompanhemos nossos sacerdotes com a nossa oração.
Na tarde da Sexta-Feira Santa, começa efetivamente o tríduo pascal, com a memória da Última Ceia, na qual Jesus instituiu o memorial da sua Páscoa, dando cumprimento ao rito pascal judaico. Segundo a tradição, toda família judaica, reunida à mesa na festa da Páscoa, come o cordeiro assado, fazendo memória da libertação dos israelitas da escravidão do Egito; assim, no cenáculo, consciente da sua morte iminente, Jesus, verdadeiro Cordeiro pascal, oferece a si mesmo pela nossa salvação (cf. 1 Cor 5, 7). Pronunciando a bênção sobre o pão e o vinho, Ele antecipa o sacrifício da cruz e manifesta a intenção de perpetuar sua presença no meio dos seus discípulos: sob as espécies do pão e do vinho, Ele se faz presente de modo real, com seu corpo entregue e com seu sangue derramado. Durante a Última Ceia, os apóstolos são constituídos ministros desse sacramento de salvação; Jesus lava seus pés (cf. Jo 13, 1-25), convidando-os a amar-se uns aos outros como Ele os amou, dando a vida por eles. Repetindo este gesto na liturgia, também nós somos chamados a dar testemunho do nosso Redentor com nossos atos.
A Quinta-Feira Santa, finalmente, termina com a adoração eucarística, em recordação da agonia do Senhor no horto de Getsêmani. Deixando o cenáculo, Ele se retirou para rezar, sozinho, na presença do Pai. Nesse momento de comunhão profunda, os Evangelhos narram que Jesus experimentou uma grande angústia, um sofrimento tal, que o fez suar sangue (cf. Mt 26, 38). Consciente da sua iminente morte na cruz, Ele sente uma grande angústia e a proximidade da morte. Nesta situação, aparece também um elemento de grande importância para toda a Igreja. Jesus diz aos seus: ficai aqui e vigiai; e este apelo à vigilância se refere de modo preciso a este momento de angústia, de ameaça, no qual chegará o traidor, mas concerne também a toda a história da Igreja.
É uma mensagem permanente para todos os tempos, porque a sonolência dos discípulos não era só o problema daquele momento, mas o grande problema de toda a história. A questão é em que consiste essa sonolência dos discípulos, em que consistiria a vigilância à qual o Senhor nos convida. Eu diria que a sonolência dos discípulos ao longo da história é uma certa insensibilidade da alma com relação ao poder do mal, uma insensibilidade no que diz respeito a todo o mal no mundo. Nós não queremos nos deixar turbar demais por essas coisas, queremos esquecê-las: pensamos que talvez não sejam tão graves e as esquecemos. E não é somente a insensibilidade em relação ao mal, enquanto deveríamos velar para fazer o bem, para lutar pela força do bem. É insensibilidade no que se refere a Deus: esta é a nossa verdadeira sonolência; esta insensibilidade diante da presença de Deus que nos torna insensíveis também diante do mal. Não escutamos Deus - isso nos incomodaria - e assim não escutamos, naturalmente, tampouco a força do mal, e permanecemos no caminho da nossa comodidade. A adoração noturna da Quinta-Feira Santa, o estar vigilantes com o Senhor, deveria ser precisamente o momento de fazer-nos refletir sobre a sonolência dos discípulos, dos defensores de Jesus, dos apóstolos, de nós, que não vemos, não queremos ver toda a força do mal, não queremos entrar em sua paixão pelo bem, pela presença de Deus no mundo, pelo amor ao próximo e a Deus.
Depois, o Senhor começa a rezar. Os três apóstolos - Pedro, Tiago, João - dormem, mas de repente acordam e escutam o refrão desta oração do Senhor: "Não se faça a minha vontade, mas a tua". O que é essa vontade "minha" e o que é essa vontade "tua", das quais fala o Senhor? A "minha" vontade é que "não deveria morrer", que se afaste dele esse cálice do sofrimento: é a vontade humana, da natureza humana, e Cristo sente, com toda a consciência do seu ser, a vida, o abismo da morte, o terror do nada, essa ameaça do sofrimento. E Ele mais que nós, que temos essa aversão natural à morte, esse medo natural da morte; ainda mais que nós, Ele sente o abismo do mal. Ele sente, com a morte, também todo o sofrimento da humanidade. Sente que tudo isso é o cálice que ele tem de beber, que deve fazer-se beber a si mesmo, aceitar o mal do mundo, tudo o que é terrível, a aversão a Deus, todo o pecado. E podemos compreender que Jesus, com a sua alma humana, estivesse aterrorizado diante desta realidade, que percebe em toda a sua crueldade: "minha" vontade seria não beber o cálice, mas a "minha" vontade está subordinada à "tua" vontade, à vontade de Deus, à vontade do Pai, que é também a verdadeira vontade do Filho. Assim, Jesus transforma, nesta oração, a aversão natural, a aversão ao cálice, à sua missão de morrer por nós. Transforma esta vontade natural sua em vontade de Deus, em um "sim" à vontade de Deus. O homem, por si mesmo, está tentado a opor-se à vontade de Deus, de ter a intenção de seguir sua própria vontade, de sentir-se livre somente se for autônomo; opõe sua própria autonomia à heteronomia de seguir a vontade de Deus.
Este é todo o drama da humanidade. Mas, na verdade, esta autonomia é errônea e este entrar na vontade de Deus não é uma oposição à pessoa, não é uma escravidão que violenta a minha vontade, mas é entrar na verdade e no amor, no bem. E Jesus atrai a nossa vontade, que se opõe à vontade de Deus, que busca a autonomia, atrai essa vontade ao alto, à vontade de Deus. Este é o drama da nossa redenção, que Jesus atrai ao alto a nossa vontade, toda a nossa aversão à vontade de Deus e nossa aversão à morte e ao pecado, e a une à vontade do Pai: "Não se faça a ‘minha' vontade, mas a ‘tua'". Nesta transformação do "não" em "sim", nesta inserção da vontade da criatura na vontade do Pai, Ele transforma a humanidade e nos redime. E nos convida a entrar nesse seu movimento: sair do nosso "não" e entrar no "sim" do Filho. Minha vontade existe, mas a decisiva é a vontade do Pai, porque esta é a verdade e o amor.
Outro elemento desta oração me parece importante. As três testemunhas conservaram - como aparece na Sagrada Escritura - a palavra hebraica ou aramaica com a qual o Senhor falou ao Pai, chamando-o de "Abbà", pai. Mas esta fórmula, "Abbà", é uma forma familiar do termo pai, uma forma usada somente na família, que nunca tinha sido usada para referir-se a Deus. Aqui vemos, na intimidade de Jesus, como Ele fala em família, fala verdadeiramente como Filho com seu Pai. Vemos o mistério trinitário: o Filho que fala com o Pai e redime a humanidade.
Mais uma observação. A Carta aos Hebreus nos dá uma profunda interpretação desta oração do Senhor, deste drama do Getsêmani. Diz que estas lágrimas de Jesus, esta oração, estes gritos de Jesus, esta angústia, tudo isso não é simplesmente uma concessão à fraqueza da carne, como poderia ser dito. Precisamente assim, Ele realiza a tarefa do Sumo Sacerdote, porque o Sumo Sacerdote deve levar o ser humano, com todos os seus problemas e sofrimentos, à altura de Deus. E a Carta aos Hebreus diz: com todos estes gritos, lágrimas, sofrimentos, orações, o Senhor levou nossa realidade a Deus (cf. Hb 5, 7ss). E usa esta palavra grega, "prosferein", que é o termo técnico para o que o Sumo Sacerdote tem de fazer para oferecer, para elevar suas mãos ao alto.
Precisamente neste drama do Getsêmani, no qual parece que a força de Deus já não está presente, Jesus realiza a função do Sumo Sacerdote. E diz, além disso, que neste ato de obediência, isto é, de conformação da vontade natural humana com a vontade de Deus, aperfeiçoa-se como sacerdote. E usa novamente a palavra técnica para ordenar sacerdote. Precisamente assim, converte-se no Sumo Sacerdote da humanidade e abre o céu e a porta da ressurreição.
Se refletirmos sobre este drama do Getsêmani, poderemos ver também o grande contraste entre Jesus, com sua angústia, com seu sofrimento, em comparação com o grande filósofo Sócrates, que permanece pacífico, imperturbável diante da morte. E isso parece o ideal. Podemos admirar este filósofo, mas a missão de Jesus era outra. Sua missão não era esta total indiferença e liberdade; sua missão era levar em si mesmo todo o sofrimento, todo o drama humano. E por isso precisamente, esta humilhação do Getsêmani é essencial para a missão do Homem-Deus. Ele leva consigo o nosso sofrimento, nossa pobreza, e os transforma segundo a vontade de Deus. E assim abre as portas do céu, abre o céu: esta cortina do Santíssimo, que até agora o homem fechava contra Deus, é aberta pelo seu sofrimento e pela sua obediência. Estas são algumas observações para a Quinta-Feira Santa, para a nossa celebração da Quinta-Feira Santa.
Na Sexta-Feira Santa, faremos memória da paixão e da morte do Senhor; adoraremos Cristo crucificado, participaremos dos seus sofrimentos com a penitência e o jejum. Dirigindo o olhar Àquele que foi transpassado (cf. Jo 19, 37), poderemos beber do seu coração partido, que mana sangue e água, como de uma fonte; desse coração do qual brota o amor de Deus por cada homem, recebemos o seu Espírito.
Acompanhemos, portanto, também na Sexta-Feira Santa, esse Jesus que sobe até o Calvário; deixemo-nos guiar por Ele até a cruz; recebamos a oferta do seu corpo imaculado. Finalmente, na noite do Sábado Santo, celebraremos a solene Vigília Pascal, na qual nos será anunciada a ressurreição de Cristo, sua vitória definitiva sobre a morte, que nos convida a ser homens novos. Participando desta santa vigília, a noite central de todo o ano litúrgico, faremos memória do nosso Batismo, no qual também nós fomos sepultados com Cristo, para poder, com Ele, ressuscitar e participar do banquete do céu (cf. Ap 19, 7-9).
Queridos amigos, tentamos compreender o estado emocional com o qual Jesus viveu o momento da prova extrema, para captar o que orientava o seu agir. O critério que guiou cada escolha de Jesus durante toda a sua vida foi a firme vontade de amar o Pai, de ser um com o Pai, de ser-lhe fiel; esta decisão de corresponder ao seu amor o impulsionou a abraçar, em toda circunstância, o projeto do Pai, a fazer seu o desígnio de amor que lhe foi confiado de recapitular todas as coisas n'Ele, para reconduzir tudo a Ele. Ao reviver o santo tríduo, disponhamo-nos a acolher, também nós, em nossa vida, a vontade de Deus, conscientes de que, na vontade de Deus, ainda que pareça dura, em contraste com as nossas intenções, encontra-se o nosso verdadeiro bem, o caminho da vida. Que a Virgem Mãe nos guie neste itinerário e nos alcance do seu Filho divino a graça de poder empregar a nossa vida, por amor a Jesus, ao serviço dos irmãos. Obrigado.
A Quinta-Feira Santa é o dia em que se faz memória da instituição da Eucaristia e do Sacerdócio ministerial. Pela manhã, cada comunidade diocesana, reunida na igreja catedral ao redor do bispo, celebra a Missa crismal, na qual são abençoados o santo crisma, o óleo dos catecúmenos e o óleo dos enfermos. A partir do tríduo pascal e durante todo o ano litúrgico, estes óleos serão utilizados para os sacramentos do Batismo, da Confirmação, das Ordenações sacerdotais e episcopais e da Unção dos Enfermos; nisso se manifesta como a salvação, transmitida pelos sinais sacramentais, brota precisamente do mistério pascal de Cristo; de fato, somos redimidos com sua morte e ressurreição e, mediante os sacramentos, temos acesso a essa fonte salvífica. Durante a Missa crismal, amanhã, acontece a renovação das promessas sacerdotais. No mundo inteiro, cada sacerdote renova os compromissos que assumiu no dia da sua ordenação, para ser totalmente consagrado a Cristo no exercício do sagrado ministério ao serviço dos irmãos. Acompanhemos nossos sacerdotes com a nossa oração.
Na tarde da Sexta-Feira Santa, começa efetivamente o tríduo pascal, com a memória da Última Ceia, na qual Jesus instituiu o memorial da sua Páscoa, dando cumprimento ao rito pascal judaico. Segundo a tradição, toda família judaica, reunida à mesa na festa da Páscoa, come o cordeiro assado, fazendo memória da libertação dos israelitas da escravidão do Egito; assim, no cenáculo, consciente da sua morte iminente, Jesus, verdadeiro Cordeiro pascal, oferece a si mesmo pela nossa salvação (cf. 1 Cor 5, 7). Pronunciando a bênção sobre o pão e o vinho, Ele antecipa o sacrifício da cruz e manifesta a intenção de perpetuar sua presença no meio dos seus discípulos: sob as espécies do pão e do vinho, Ele se faz presente de modo real, com seu corpo entregue e com seu sangue derramado. Durante a Última Ceia, os apóstolos são constituídos ministros desse sacramento de salvação; Jesus lava seus pés (cf. Jo 13, 1-25), convidando-os a amar-se uns aos outros como Ele os amou, dando a vida por eles. Repetindo este gesto na liturgia, também nós somos chamados a dar testemunho do nosso Redentor com nossos atos.
A Quinta-Feira Santa, finalmente, termina com a adoração eucarística, em recordação da agonia do Senhor no horto de Getsêmani. Deixando o cenáculo, Ele se retirou para rezar, sozinho, na presença do Pai. Nesse momento de comunhão profunda, os Evangelhos narram que Jesus experimentou uma grande angústia, um sofrimento tal, que o fez suar sangue (cf. Mt 26, 38). Consciente da sua iminente morte na cruz, Ele sente uma grande angústia e a proximidade da morte. Nesta situação, aparece também um elemento de grande importância para toda a Igreja. Jesus diz aos seus: ficai aqui e vigiai; e este apelo à vigilância se refere de modo preciso a este momento de angústia, de ameaça, no qual chegará o traidor, mas concerne também a toda a história da Igreja.
É uma mensagem permanente para todos os tempos, porque a sonolência dos discípulos não era só o problema daquele momento, mas o grande problema de toda a história. A questão é em que consiste essa sonolência dos discípulos, em que consistiria a vigilância à qual o Senhor nos convida. Eu diria que a sonolência dos discípulos ao longo da história é uma certa insensibilidade da alma com relação ao poder do mal, uma insensibilidade no que diz respeito a todo o mal no mundo. Nós não queremos nos deixar turbar demais por essas coisas, queremos esquecê-las: pensamos que talvez não sejam tão graves e as esquecemos. E não é somente a insensibilidade em relação ao mal, enquanto deveríamos velar para fazer o bem, para lutar pela força do bem. É insensibilidade no que se refere a Deus: esta é a nossa verdadeira sonolência; esta insensibilidade diante da presença de Deus que nos torna insensíveis também diante do mal. Não escutamos Deus - isso nos incomodaria - e assim não escutamos, naturalmente, tampouco a força do mal, e permanecemos no caminho da nossa comodidade. A adoração noturna da Quinta-Feira Santa, o estar vigilantes com o Senhor, deveria ser precisamente o momento de fazer-nos refletir sobre a sonolência dos discípulos, dos defensores de Jesus, dos apóstolos, de nós, que não vemos, não queremos ver toda a força do mal, não queremos entrar em sua paixão pelo bem, pela presença de Deus no mundo, pelo amor ao próximo e a Deus.
Depois, o Senhor começa a rezar. Os três apóstolos - Pedro, Tiago, João - dormem, mas de repente acordam e escutam o refrão desta oração do Senhor: "Não se faça a minha vontade, mas a tua". O que é essa vontade "minha" e o que é essa vontade "tua", das quais fala o Senhor? A "minha" vontade é que "não deveria morrer", que se afaste dele esse cálice do sofrimento: é a vontade humana, da natureza humana, e Cristo sente, com toda a consciência do seu ser, a vida, o abismo da morte, o terror do nada, essa ameaça do sofrimento. E Ele mais que nós, que temos essa aversão natural à morte, esse medo natural da morte; ainda mais que nós, Ele sente o abismo do mal. Ele sente, com a morte, também todo o sofrimento da humanidade. Sente que tudo isso é o cálice que ele tem de beber, que deve fazer-se beber a si mesmo, aceitar o mal do mundo, tudo o que é terrível, a aversão a Deus, todo o pecado. E podemos compreender que Jesus, com a sua alma humana, estivesse aterrorizado diante desta realidade, que percebe em toda a sua crueldade: "minha" vontade seria não beber o cálice, mas a "minha" vontade está subordinada à "tua" vontade, à vontade de Deus, à vontade do Pai, que é também a verdadeira vontade do Filho. Assim, Jesus transforma, nesta oração, a aversão natural, a aversão ao cálice, à sua missão de morrer por nós. Transforma esta vontade natural sua em vontade de Deus, em um "sim" à vontade de Deus. O homem, por si mesmo, está tentado a opor-se à vontade de Deus, de ter a intenção de seguir sua própria vontade, de sentir-se livre somente se for autônomo; opõe sua própria autonomia à heteronomia de seguir a vontade de Deus.
Este é todo o drama da humanidade. Mas, na verdade, esta autonomia é errônea e este entrar na vontade de Deus não é uma oposição à pessoa, não é uma escravidão que violenta a minha vontade, mas é entrar na verdade e no amor, no bem. E Jesus atrai a nossa vontade, que se opõe à vontade de Deus, que busca a autonomia, atrai essa vontade ao alto, à vontade de Deus. Este é o drama da nossa redenção, que Jesus atrai ao alto a nossa vontade, toda a nossa aversão à vontade de Deus e nossa aversão à morte e ao pecado, e a une à vontade do Pai: "Não se faça a ‘minha' vontade, mas a ‘tua'". Nesta transformação do "não" em "sim", nesta inserção da vontade da criatura na vontade do Pai, Ele transforma a humanidade e nos redime. E nos convida a entrar nesse seu movimento: sair do nosso "não" e entrar no "sim" do Filho. Minha vontade existe, mas a decisiva é a vontade do Pai, porque esta é a verdade e o amor.
Outro elemento desta oração me parece importante. As três testemunhas conservaram - como aparece na Sagrada Escritura - a palavra hebraica ou aramaica com a qual o Senhor falou ao Pai, chamando-o de "Abbà", pai. Mas esta fórmula, "Abbà", é uma forma familiar do termo pai, uma forma usada somente na família, que nunca tinha sido usada para referir-se a Deus. Aqui vemos, na intimidade de Jesus, como Ele fala em família, fala verdadeiramente como Filho com seu Pai. Vemos o mistério trinitário: o Filho que fala com o Pai e redime a humanidade.
Mais uma observação. A Carta aos Hebreus nos dá uma profunda interpretação desta oração do Senhor, deste drama do Getsêmani. Diz que estas lágrimas de Jesus, esta oração, estes gritos de Jesus, esta angústia, tudo isso não é simplesmente uma concessão à fraqueza da carne, como poderia ser dito. Precisamente assim, Ele realiza a tarefa do Sumo Sacerdote, porque o Sumo Sacerdote deve levar o ser humano, com todos os seus problemas e sofrimentos, à altura de Deus. E a Carta aos Hebreus diz: com todos estes gritos, lágrimas, sofrimentos, orações, o Senhor levou nossa realidade a Deus (cf. Hb 5, 7ss). E usa esta palavra grega, "prosferein", que é o termo técnico para o que o Sumo Sacerdote tem de fazer para oferecer, para elevar suas mãos ao alto.
Precisamente neste drama do Getsêmani, no qual parece que a força de Deus já não está presente, Jesus realiza a função do Sumo Sacerdote. E diz, além disso, que neste ato de obediência, isto é, de conformação da vontade natural humana com a vontade de Deus, aperfeiçoa-se como sacerdote. E usa novamente a palavra técnica para ordenar sacerdote. Precisamente assim, converte-se no Sumo Sacerdote da humanidade e abre o céu e a porta da ressurreição.
Se refletirmos sobre este drama do Getsêmani, poderemos ver também o grande contraste entre Jesus, com sua angústia, com seu sofrimento, em comparação com o grande filósofo Sócrates, que permanece pacífico, imperturbável diante da morte. E isso parece o ideal. Podemos admirar este filósofo, mas a missão de Jesus era outra. Sua missão não era esta total indiferença e liberdade; sua missão era levar em si mesmo todo o sofrimento, todo o drama humano. E por isso precisamente, esta humilhação do Getsêmani é essencial para a missão do Homem-Deus. Ele leva consigo o nosso sofrimento, nossa pobreza, e os transforma segundo a vontade de Deus. E assim abre as portas do céu, abre o céu: esta cortina do Santíssimo, que até agora o homem fechava contra Deus, é aberta pelo seu sofrimento e pela sua obediência. Estas são algumas observações para a Quinta-Feira Santa, para a nossa celebração da Quinta-Feira Santa.
Na Sexta-Feira Santa, faremos memória da paixão e da morte do Senhor; adoraremos Cristo crucificado, participaremos dos seus sofrimentos com a penitência e o jejum. Dirigindo o olhar Àquele que foi transpassado (cf. Jo 19, 37), poderemos beber do seu coração partido, que mana sangue e água, como de uma fonte; desse coração do qual brota o amor de Deus por cada homem, recebemos o seu Espírito.
Acompanhemos, portanto, também na Sexta-Feira Santa, esse Jesus que sobe até o Calvário; deixemo-nos guiar por Ele até a cruz; recebamos a oferta do seu corpo imaculado. Finalmente, na noite do Sábado Santo, celebraremos a solene Vigília Pascal, na qual nos será anunciada a ressurreição de Cristo, sua vitória definitiva sobre a morte, que nos convida a ser homens novos. Participando desta santa vigília, a noite central de todo o ano litúrgico, faremos memória do nosso Batismo, no qual também nós fomos sepultados com Cristo, para poder, com Ele, ressuscitar e participar do banquete do céu (cf. Ap 19, 7-9).
Queridos amigos, tentamos compreender o estado emocional com o qual Jesus viveu o momento da prova extrema, para captar o que orientava o seu agir. O critério que guiou cada escolha de Jesus durante toda a sua vida foi a firme vontade de amar o Pai, de ser um com o Pai, de ser-lhe fiel; esta decisão de corresponder ao seu amor o impulsionou a abraçar, em toda circunstância, o projeto do Pai, a fazer seu o desígnio de amor que lhe foi confiado de recapitular todas as coisas n'Ele, para reconduzir tudo a Ele. Ao reviver o santo tríduo, disponhamo-nos a acolher, também nós, em nossa vida, a vontade de Deus, conscientes de que, na vontade de Deus, ainda que pareça dura, em contraste com as nossas intenções, encontra-se o nosso verdadeiro bem, o caminho da vida. Que a Virgem Mãe nos guie neste itinerário e nos alcance do seu Filho divino a graça de poder empregar a nossa vida, por amor a Jesus, ao serviço dos irmãos. Obrigado.